Rotinas

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Engraçado como a rotina pode facilmente virar uma prisão. Quando você realiza as mesmas ações todo dia, parece até errado desviar desse caminho e escolher uma rota diferente. É como se pequenas atitudes virassem obrigações diárias sem que você perceba ou possa fazer qualquer coisa a respeito.
Todos os dias ele passava por aquela rodovia para trabalhar. Seu trabalho não era tão longe, mas mesmo assim ele precisava pegar um pouco de estrada para sair de seu aconchego. Era o preço a se pagar por morar em uma casa com jardim perto da cidade grande.
Mesmo com a distância ele sempre gostou de pegar aquela rodovia, era uma estrada razoavelmente bonita e segura. E, quando já havia se acostumado com aquele caminho, colocaram um pedágio bem no meio dele.
A princípio ele esperava que fosse precisar desembolsar uns bons trocados, mas o pedágio era mais barato do que esperava. Evitou fazer as contas de quanto pagaria por ano já que a empresa não cobriria aqueles gastos. Ele poderia até tentar outra rota, sabia que tinha algum caminho por entre os bairros da cidade e alguns retornos ao redor dela, mas gastaria bem mais tempo para chegar ao trabalho e não queria abrir mão dele pequeno e constante detalhe da sua rotina.
Tinha uma rotina tão apertada e solitária que via naquela estrada um pequeno consolo para o workaholic que havia se tornado. Não sabia explicar direito se perguntassem, mas quando estava dirigindo por aquelas pistas largas gostava de imaginar que estava viajando para algum lugar, que estava saindo por aí da forma espontânea que sempre invejou em outras pessoas.
Quando chegava ao trabalho, precisava acordar daquele cenário inventado e mergulhava na rotina de novo. Era um ciclo vicioso do qual ele não conseguia sair e também não era como se ele tentasse muito.
Foi numa dessas infinitas paradas no pedágio que ele a viu. A primeira vez foi apenas de relance. Enquanto ele esperava receber o troco pela nota que havia entregado, olhou para o carro ao lado e viu uma mulher que lhe tirou o fôlego. Ele desejou tanto ser o homem que lhe dirigia algumas palavras que quase saiu do carro no meio do pedágio só para dar bom dia. E isso tudo em menos de um minuto inteiro.
No dia seguinte, para sua surpresa, ele a encontrou de novo no pedágio. Dessa vez por menos tempo ainda. Quando ele parou o carro ela já estava acelerando para longe dele.
No terceiro dia ele já esperava ansioso pelo “encontro”. Passou a levantar de um jeito tão pontual que deixaria um relógio suíço com inveja. Começou a se arrumar um pouco mais mesmo sabendo que ela provavelmente nem o veria.
Exceto que viu. Naquele dia.
Ela estava no carro à sua direita quando ele parou no pedágio. Foi o tempo de ele pegar uma nota na carteira e voltar a olhar para ela e percebeu que era observado de volta. Ficou paralisado e demorou um tempo até conseguir abrir um sorriso meio tímido. A moça da cabine pigarreou esperando o dinheiro e, quando olhou para sua direita de novo, ela já tinha acelerado o carro e seguia seu rumo para algum lugar desconhecido.
No quarto dia ela o notou mais uma vez e pareceu surpresa por aquele reencontro inesperado – por ela, já que ele ansiava por aquilo todas as manhãs. Trocaram alguns olhares, sorrisos e acenos rápidos antes de serem obrigados a seguir em frente. Ele sempre precisava ir reto, ela virava à direita poucos metros depois do pedágio.
E assim uma nova rotina foi criada. E que rotina gostosa, ele pensou.
Todos os dias eles se cumprimentavam naquele pedágio e todos os dias ele queria falar algo para ela. Aquela morena tinha um dos sorrisos mais inquietantes que ele já tinha visto e ele nem havia chegado perto o suficiente para descobrir a cor dos seus olhos.
Por vários dias eles se resumiram a estranhos conhecidos. Trocavam sorrisos e acenos e, nas raras manhãs em que o pedágio tinha fila, trocavam olhares longos o suficiente para que ele percebesse que também a afetava de alguma forma.
Era um dia chuvoso quando ele, em um ato de coragem, decidiu pedir seu número de telefone. Ou melhor, gritar e gesticular. Abriu a janela do carro e, enquanto vários pingos de chuva molhavam sua perna, ergueu o celular e apontou para o aparelho. Ela olhou de forma confusa por alguns instantes até entender o que ele queria. Ele quase pôde escutar a sua risada e odiou a distância por não poder de fato.
Ela tentou gritar de volta, mas o barulho da chuva atrapalhou qualquer possibilidade de entender de forma clara se ela queria dizer 6 ou 3, 1 ou 8. Quando ela começou a gesticular os números já era tarde demais e eles precisavam seguir em frente ao som de buzinas impacientes.
No dia seguinte, eles se desencontraram e ele ficou preocupado que ela tivesse mudado seus horários e que aqueles pseudo encontros tivessem se perdido para sempre. No outro dia ela também havia sumido.
Ele estava quase perdendo as esperanças quando, numa manhã mais ensolarada, avistou seu carro e aquele sorriso deslumbrante de novo. Ele podia jurar que havia ganhado na loteria baseando-se na euforia que sentiu.
Ela sorriu aquele sorriso que ele aprendera a admirar e apontou para o acostamento logo à frente do pedágio. Seu coração começou a bater acelerado antes mesmo de ele balançar a cabeça todo bobo.
Quase jogou as moedas no funcionário e tentou ao máximo fazer o carro acelerar sem muito barulho. Ela já o esperava com o pisque-alerta ligado quando ele estacionou atrás dela. Abriram a porta juntos e se encontraram no meio do caminho.
- Oi – ele sorriu estendendo a mão para cumprimentá-la.
Ela deu uma risadinha antes de fazer o mesmo.
- Oi – ela retribuiu o sorriso.
Verdes, ele observou abobalhado. Seus olhos eram verdes.
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